tinta possessiva com que tudo se inscreve.
Todo o livro é um livro de bordo.
Edmond Jabès
O tempo chegará
da palavra invisível
transformada em pássaro
e que acorde lembranças
há muito esquecidas
no coração sepulto.
O tempo afinal virá
o tempo sem limites
em que os enforcados
mortos e vivos
e uma lua romântica
das noites da infância
voltem a dançar
no ar da manhã.
Quem é que assim nos virou, de tal forma que, em tudo o que
façamos, estamos sempre na atitude de alguém que parte?
Rilke [As Elegias de Duíno]
Paulo Plínio Abreu nos evoca a uma sedutora variação de imagens, inclusive a não imagem, em uma escrita que transita pelo limiar do desconhecido, de onde nos traz os outrosvários da sua poesia, em pele, rostos, revelando uma escrita da intensidade que transita por fora da unidade e do discurso da representação se espraiando em lances de multiplicidades por onde atravessa o Polichinelo, o Comedor de Fogo, o Espantalho: uma verdadeira miríade. Figuras aliviadas do peso da identidade gravitando por fora de qualquer enunciado, fora do discurso ou reivindicação. Paulo Plínio nunca foi o poeta do lugar, passou alhures às alegorias do regional, sendo desde sempre o grande escritor da linguagem, do pensamento que combate em favor da palavra viva, criativa; da poesia lapidada de fio a fio, sem que combate em favor da palavra viva, criativa; da poesia lapidada de fio a fio, sem deus, sem razão, erguida na esteira da mobilidade. Assim o poeta esculpiu sua obra, escrevendo até o extremo de uma atmosfera outra, num desejo intenso de fuga; escrevendo até alcançar a escrita essencial. E tudo suportou para se aproximar do horizonte dessa experiência, tudo, até mesmo o risco da morte: Um dia eu descerei verticalmente e para sempre/ao fundo deste mar onde ela mora/como um barco de pescadores desaparecidos [A estranha mensagem]. Ler Paulo Plínio é confessadamente navegar no coração desse risco e experimentar em cada frase o limiar do seu vôo: Eu subi do fundo do mar como um líquen liberto/para ouvir a sua voz que era imensa/e trazia a ansiedade das flores explodindo,/mas só vi o silêncio enorme como a noite./ E ela chorou dentro de minha tristeza/porque era como a revelação do que eu havia perdido [A estranha mensagem]. É desse lugar que jorra a força da sua poesia, é desse silêncio que cintila a potência da sua voz; voz atravessada entre o suave e o precário; voz de um homem que não se viu, que tombou nas entranhas da literatura e desapareceu na noite. Paulo Plínio Abreu foi um dos poucos a responder ao anseio de Paul Valery: morrer sem confessar. Morreu em silêncio, nem uma palavra, poucas pistas, somente a sua poesia. Poesia que nunca cedeu.
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Este blog corresponde a “fazer um filho pelas costas” no sistema editorial que nada sabe acerca da obra dos grandes autores ainda anônimos e encalacrados no silêncio que a própria obra ecoa, como um procedimento para alcançar um tempo de escrita que não sabemos, mas que é o trajeto próprio contra o fácil e o frívolo; o que portanto força o editor a ler esse tempo antes da obra, desdobrar esse diálogo de espera e as conseqüências dessa espera: o que se perde e o que se ganha com a publicação de um determinado livro. Tornado mais uma vez um não‐livro, já que a versão digital é mais um segredo guardado fora do circuito tradicional de edição – este circuito que a trinta anos negligencia a obra de Paulo Plínio Abreu, confirma sua potência de morte, mas talvez agora, num giro de roda, seus limites distendidos sejam abolidos, as palavras se desprendam e se transfigurem.
- 1921 - Nasce em Belém, a 19 de junho, Paulo Plínio Beker de Abreu, filho de Dilermando Cals de Abreu e Lídia Beker de Abreu.
- 1925 - Inicia seus estudos primários, em casa.
- 1930 – Obteve o certificado de Curso Primário no Grupo Escolar Floriano Peixoto, onde hoje funciona a Casa da Linguagem.
- 1933 – Estudos secundários no Colégio Paes de Carvalho.
- 1938 – Termina o curso de inglês no English College, tendo sido o orador da turma.
- 1939 – Conhece o prof. Francisco Paulo Mendes, no colégio Paes de Carvalho.
- 1940 – Matricula-se na Faculdade de Direito do Estado do Pará. Publica, na revista Novidade, seus primeiros poemas “Suicídio” e “A estranha Mensagem”. Na revista Terra Imatura aparece o poema “A Aventura”.
- 1941 – Admitido pelo Instituto Agronômico do Norte, onde exerceu funções como a de Bilbiotecário-Chefe, tradutor e Secretário de Diretoria.
- 1944 – Colou grau de bacharel
- 1948 – Casou-se com Edith Correa de Paiva.
- 1949 – Nasce sua primeira filha, Ana Lúcia.
- 1950 – O suplemento “Arte-Literatura”, do jornal Folha do Norte, sob a direção de Haroldo Maranhão, publica um número especial, em 24 de dezembro, sobre poetas paraenses contemporâneos, onde se encontra uma nota sobre Paulo Plínio Abreu e alguns de seus poemas.
- 1952 – Aceito no Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará. Viagem ao Rio de Janeiro a fim de tratar da distribuição das publicações deste Instituto.
- 1954 – Nomeado para reger a disciplina Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém.
- 1956 – Profere a aula inaugural do ano letivo na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém.
- 1958 – Nasce Cristina, sua segunda filha. Designado para chefiar o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, da Universidade Federal do Pará, para o biênio 1958/1959.
- 1959 – Morre em 05 de setembro, em Belém, aos 38 anos, devido a uma nefrite crônica